AJAMI
AJAMI (port. adjami)
por uma portuguesa em Telavive,
em directo de:
Jaffa, Ajami
o filme, o bairro e a família Copti
De repente, era um bairro marginal de Jaffa, votado ao esquecimento oficial, e uma família inteira nos cabeçalhos dos jornais pelas mãos de um Copti...
Afinal os donos do café da entente entre os povos, não eram só uma judia, de nome Dina, e um árabe cristão, de nome Michel; uma entente terminada e, simultaneamente, duplicada, com a saída surpreendente de Dina que abriu um outro café numa rua paralela e que continua a trabalhar para e pela entente entre os povos palestiniano e judeu. Afinal, não era apenas um árabe cristão de Ramle que queria abrir um café que fosse um espaço cultural para os árabes naquela cidade que o poder central tinha decidido deixar apodrecer, mas também uma Dina, judia, acabada de chegar a Jaffa vinda do Haiti, de olhos iluminados por sonhos de paz e amor e animada de uma vontade idealística de os concretizar numa outra cidade que já tinha sido o centro da Palestina dos Otomanos e do Mandato Britânico. Uma Dina entretanto de cabelos brancos como a neve, uma cara empastada de fond-de-teint a tapar-lhe as manchas da doença, andar hesitante e com os passos tremelicados de uma mulher atraiçoada pela vida e pela doença. Até que nos sentamos e começamos a conversar. Os olhos dela iluminam-se pelos sonhos desiludidos mas não perdidos, a cara anima-se por aquela vontade determinada de continuar a acreditar no sonho e no impossível, enquanto fala do novo espaço cultural e dos respectivos projectos.
Mas voltando ao primeiro café da entente, o café Yaffa, situado na bela Jaffa, no norte do bairro de Ajami, talvez por isso os hebreus lhe chamassem yafa, e ao Michele, o dono deixado único; um café pelo qual gira uma família numa azáfama de várias tarefas, os afins dos Copti, árabes cristãos, educados em colégios de padres e de freiras, uns falam francês e outros apenas árabe, um pouco de inglês, mas todos falantes de um hebraico que o sotaque lhes não mascara de natural. Uma família que vive espalhada entre Ramle e Jaffa e, provavelmente, alguns na Cisjordânia (não investiguei, mas é quase sempre assim que a história se desenrola, porque a diáspora palestiniana, também a há...) e que é o espelho da situação e dos efeitos de uma ocupação.
Um Copti, afim da família do café, que vive entre Jaffa e Doha, faz um filme sobre uma família que vive espartilhada entre Ramle, Jaffa e Cisjordânia e que é o espelho da situação e de uma cultura de clã. Um filme violento e sobre violência, sobre o desespero de desesperados, sobre becos sem saída, de ódio e de lágrimas, de incompreensão, e sem horizontes nem futuro, sobre os sitiados pelas muralhas invisíveis de Jaffa, Ramle e de outros becos sem saída da pequena Israel. O filme Ajami é sobre um casal ventosoo homónimo israelita e é uma crítica viva ao resultado da ocupação, mas que também não poupa os ocupados, que retrata cruamente os actores de ambos os lados sob aquela luz impediosa daquele sol indiferente e sob o luar romântico das noites que poderiam ser das mil e uma noites, mas que afinal mais se aproxima da luz fria de um filme de terror. Aquelas noites violentadas pela violência das várias lutas que habitam aquelas noites escuras, carregadas de ódio e surpresas, e que capta aquela honra que não dá tréguas e que não compreendemos; Ajami foi nomeado para o óscar do melhor filme estrangeiro e é um filme que traz à ribalta vidas obscuras e desesperançadas de pessoas que vivem em espaços geográficos contíguos aos de outra vida radicalmente diferente a decorrer mesmo ali ao lado na moderna Telavive.
Aflora ainda outros sectores da sociedade israelita tendo como leitmotiv a problemática comum a todos, rápida e sucintamente, deixando o espectador num estado de mau-estar porque nada é preto ou branco e todos têm razão à luz das respectivas perspectivas mono-centristas. Um desentendimento global e total sem perspectivas de entendimento apesar das muitas iniciativas desenvolvidas nesse sentido neste casal ventoso, que alguns designaram por " ghetto".
Um dos personagens até quase que se passa para o outro lado, mas seria demais que ele o conseguisse e ... não quero trair o fio da narrativa, apenas digo que falha miseravelemente porque a situação não o permite. É uma espécie de sitiados pela situação que perdura desde 48, enquanto, mesmo ali ao lado, a vida prossegue alegremente quase como numa cidade europeia, a apenas uns 20 minutos a pé pelo passeio marítimo em direcção ao mundo ocidentalizado de Telavive.
Recomento vivamente este filme que vai muito além dos clichés sobre a ocupação. O co-director é um israelita judeu, o que prova que há vozes críticas em Israel. Até agora o filme não foi censurado e continua no programa dos cinemas de Telavive. No entanto, os irmãos de Scandar Copti, foram presos durante uma rusga no bairro. Já se encontram em liberdade, embora afirmem terem sido maltratados.
copyright fev 2010 cristina vogt-da silva
copyright fev 2010 cafe yaffa
copyright fev 2010 cafe yaffa
copyright 2010 cristina vogt-da silva
Recomendo vivamente este filme que vai para além dos clichés da ocupação. O co-director é um israelita judeu, o que prova que também há vozes críticas em Israel. Até agora, o filme não foi censurado